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terça-feira, 23 de abril de 2013

As Habilidades aquáticas básicas
 Por: Tiago Barbosa em www.efdeportes.com


 No domínio da aprendizagem e do desenvolvimento motor, as habilidades motoras básicas são um pré-requisito para a aquisição, a posteriori, de habilidades mais complexas, mais específicas, como são as desportivas.
    Este fenómeno é justificável pelo facto do processo de desenvolvimento inter-habilidades se dar por fases, numa sequência previsível de mudança qualitativa (Robertson, 1982; Seefeldt e Haubenstricker, 1982). Por outro lado, essa sequência de desenvolvimento é tida como universal e invariante, dado que todo o ser humano passa pelas mesmas fases e na mesma ordem, ocorrendo a progressão segundo o ritmo de desenvolvimento específico de cada sujeito (Gallahue, 1982). Esta concepção teórica é conhecida como a teoria dos estádios, baseando-se no modelo de desenvolvimento cognitivo de Piaget. Assim, as mudanças observáveis de estádio para estádio deverão ser entendidas como uma "reconstrução" do sistema nervoso, em que cada mudança de estádio não será mais que a substituição de um programa neural obsoleto, por um mais actual (Robertson, 1978). Isto é, a passagem de um determinado estádio para outro, representa a passagem de um nível rudimentar de execução para um nível superior.
    O modelo de desenvolvimento das habilidades motoras mais divulgado parece ser o de Gallahue (1982). A representação esquemática do modelo de Gallahue (1982) encontra-se ilustrado na Figura 1. Graficamente, o modelo pode ser representado por uma pirâmide, colocando-se na base, ou seja, no primeiro estádio os movimentos reflexos, característicos dos recém-nascidos e, apresentando no topo os movimentos desportivos. Nos patamares intermédios o sujeito passa por um estádio de movimentos rudimentares, como sejam, gatinhar ou marchar e, de movimentos fundamentais, como por exemplo, correr, saltar ou lançar.
Figura 1. Modelo de desenvolvimento das habilidades motoras (adaptado de Gallahue, 1982).
    No entanto, o desenvolvimento das habilidades motoras quer no meio terrestre, quer no meio aquático, é resultado das contínuas interacções entre determinados factores genéticos e as experiências prévias do sujeito com o meio envolvente (Moreno e Sanmartín, 1998).
    No caso particular da aquisição das habilidades motoras aquáticas específicas, o sucesso dessa apropriação também dependerá da prévia aquisição de determinadas habilidades aquáticas básicas (Langendorfer e Bruya, 1995; Moreno e Garcia, 1996; Crespo e Sanchez, 1998; Moreno e Sanmartín, 1998). Ou seja, antes da abordagem de habilidades motoras aquáticas específicas como são por exemplo, as técnicas de nado, as técnicas de remada da Natação Sincronizada ou da rectropedalagem no Polo Aquático, será necessário antes de mais, adquirir e consolidar um conjunto de habilidades aquáticas básicas.
    Assim é objectivo desta comunicação apresentar um conjunto de habilidades aquáticas básicas, que deverão ser abordadas ainda durante o processo de adaptação ao meio aquático, enquanto meio facilitador da aquisição e assimilação de habilidades aquáticas específicas de uma determinada actividade aquática.

2. As habilidades motoras aquáticas
    Como já foi referido, no meio aquático, tal como no meio terrestre, a aquisição de habilidades motoras mais complexas e específicas depende da prévia aquisição, apropriação e domínio de habilidades mais simples. Consequentemente, Langendorfer e Bruya (1995), sugerem a adaptação do modelo de desenvolvimento das habilidades motoras proposto por Gallahue (1982), para as actividades realizadas no meio aquático. A representação esquemática da adaptação do modelo de Gallahue (1982), proposto por Langendorfer e Bruya (1995), encontra-se ilustrado na Figura 2.
Figura 2. Adaptação do modelo de desenvolvimento das habilidades motoras
de Gallahue (1982), de acordo com Langendorfer e Bruya (1995)

    Assim, a aquisição das habilidades aquáticas básicas terá como objectivo: (i) promover a familiarização do sujeito com o meio aquático (Catteau e Garoff, 1988; Mota, 1990; Carvalho, 1994; Navarro, 1995; Crespo e Sanchez, 1998; Moreno e Sanmartín, 1998); (ii) promover a criação de autonomia no meio aquático (Catteau e Garoff, 1988; Mota, 1990; Carvalho, 1994; Crespo e Sanchez, 1998; Moreno e Sanmartín, 1998) e; (iii) criar as bases para posteriormente aprender habilidades motoras aquáticas específicas (Langendorfer e Bruya, 1995; Crespo e Sanchez, 1998; Moreno e Sanmartín, 1998).

3. As habilidades motoras aquáticas básicas
    Vasconcelos Raposo (1978), apenas se refere ao equilíbrio e à respiração, como elementos a abordar no processo de adaptação ao novo meio. Todavia, tradicionalmente são consideradas como componentes da adaptação ao meio aquático, ou seja, como sendo habilidades aquáticas básicas: a respiração, o equilíbrio - que inclui as rotações e os saltos - e a propulsão (Catteau e Garoff, 1988; Mota, 1990; Carvalho, 1982; 1994). Isto é, serão considerados como elementos indispensáveis para uma posterior abordagem de habilidades desportivas, no meio aquático, o domínio dos factores relacionados com o equilíbrio, a respiração e a propulsão. Contudo, a estas habilidades aquáticas básicas, Moreno e Garcia (1996) acrescentaram os lançamentos e as recepções, o ritmo, os reboques, a flutuação e a familiarização inicial com o meio. Mais tarde, Moreno e Sanmartín (1998) procuraram uma melhor sistematização destas habilidades. Assim, propuseram a abordagem das rotações, dos deslocamentos (que incorporam a propulsão e os saltos), das manipulações (que incluem os lançamentos e as recepções) e dos equilíbrios (também abarcando as flutuações e a respiração).
    Por sua vez, Navarro (1995), sugere a abordagem nesta fase dos saltos, das rotações, dos deslocamentos, do equilíbrio e, dos lançamentos e das recepções. No entanto, segundo o autor em questão, são factores essenciais para a posterior prática da Natação numa perspectiva utilitária e desportiva, a respiração, a flutuação e a propulsão.
    Em síntese, aparentemente, serão habilidades aquáticas básicas a serem abordadas no decurso dos programas de adaptação ao meio aquático: (i) o equilíbrio, incluindo a flutuação e as rotações; (ii) a propulsão, onde se integram os saltos; (iii) a respiração e; (iv) as manipulações, que também abrangem os lançamentos e as recepções.

3.1. Equilíbrio
    O domínio do equilíbrio no meio aquático está intimamente ligado com o domínio da propulsão (Mota, 1990). Isto porque a posição mais vantajosa para o deslocamento neste meio é a horizontal. Assim, será necessário que o indivíduo refaça um conjunto de referências, procurando-se adaptar à nova posição. No Quadro 1 comparam-se as alterações de comportamentos no meio terrestre e no meio aquático, em termos de equilíbrio, de acordo com Mota (1990).
    Para mais, no meio aquático, o equilíbrio de um corpo depende da inter-relação das Forças de Impulsão Hidrostática e de Gravidade (Abrantes, 1979). Logo, o equilíbrio é alterável através da respiração e da modificação da posição relativas dos segmentos corporais (Abrantes, 1979). Ou seja, ao aumentar-se o volume de ar inspirado, aumenta-se o volume corporal imerso, pelo que também se aumenta o volume de água deslocada e, portanto, a intensidade da Força de Impulsão Hidrostática. Por outro lado, alterando a posição relativa dos diversos segmentos corporais, altera-se a localização do centro de massa e do centro de impulsão e, portanto, a relação entre as forças envolvidas na determinação do equilíbrio.
Quadro 1. Comparação das alterações de comportamentos no meio terrestre
e no meio aquático, em termos de equilíbrio (adaptado de Mota, 1990). 
    Intimamente relacionado com este fenómeno está um outro: a flutuação. A flutuação é a expressão mecânica entre a densidade de um corpo e a densidade do líquido onde esse corpo se encontra mergulhado (Vilas-Boas, 1984). Pode-se mesmo dizer que a flutuabilidade é determinada pela inter-relação entre as intensidades da Força da Gravidade e da Força de Impulsão Hidrostática. Assim, um corpo apresenta uma flutuabilidade positiva quando a sua densidade é igual ou inferior à densidade do líquido. Por outro lado, a flutuabilidade é negativa quando a densidade do corpo é superior à densidade do líquido onde se encontra mergulhado. Ou então, que a flutuabilidade é positiva quando a intensidade da Força de Impulsão Hidrostática for igual ou superior à magnitude da Força da Gravidade e; pelo contrário, a flutuabilidade é negativa quando a intensidade da Força de Impulsão Hidrostática é inferior à intensidade da Força da Gravidade.
A abordagem da flutuação nesta fase é importante, para criar nos alunos uma consciencialização dessa possibilidade no meio aquático, a qual não é "vivenciável" no meio terrestre (Mota, 1990; Moreno e Garcia, 1996).
    Finalmente, serão também incluídas nesta categoria de habilidades aquáticas básicas as rotações. O motivo para a sua inclusão neste tipo de habilidades justifica-se pelo facto das rotações não serem mais do que alterações momentâneas do equilíbrio adquirido, ou seja, de alterações esporádicas do equilíbrio atingido. Essas rotações poderão ser efectuadas sobre diferentes tipos de eixos (internos e externos) e sobre diversos planos (sagital, frontal e transverso).
    A abordagem nesta etapa da formação das rotações será decisiva para a apropriação mais tarde, por exemplo, das técnicas de viragem na Natação Pura Desportiva.

3.2. Propulsão
    Como já foi referido, as alterações em termos de equilíbrio, devem-se a diferenças no mecanismo propulsivo utilizado no meio aquático. No Quadro 2 apresentam-se as alterações em termos de propulsão que se verificam no meio aquático, segundo Mota (1990).
    A Força Propulsiva Efectiva, em condições de escoamento estável, decorre da componente na direcção do deslocamento da resultante entre a Força de Arrasto Propulsivo e da Força Ascensional (Schleihauf, 1979). Já em condições de escoamento instável, a propulsão explica-se devido à produção de vórtices (Colwin, 1992).
    Acresce-se que quanto menor for a intensidade da Força de Arrasto Hidrodinâmico oposta à direcção de deslocamento do sujeito, maior será a velocidade de nado para uma dada intensidade de Força Propulsiva. Assim, o aumento da velocidade de nado decorre do aumento da intensidade da Força Propulsiva e da diminuição da intensidade das diversas componentes da Força de Arrasto Hidrodinâmico oposta à direcção do deslocamento do sujeito, isto é, do Arrasto de Fricção, do Arrasto de Pressão e do Arrasto de Onda.
Quadro 2. Comparação das alterações de comportamentos no meio terrestre
e no meio aquático, em termos de propulsão (adaptado de Mota, 1990). 
    Por sua vez, os saltos poderão ser considerados como o método de deslocamento de um indivíduo do meio terrestre para o meio aquático. Isto porque, nas actividades aquáticas, os deslocamentos não são necessariamente efectuados sempre em contacto com a água. Daí a sua inclusão neste grupo de habilidades, embora alguns autores refiram que os saltos deverão fazer parte do equilíbrio (Vasconcelos Raposo, 1978; Catteau e Garoff, 1988; Carvalho, 1982; 1994).
    A inclusão dos saltos nesta fase da formação assume particular importância para a posterior abordagem das partidas na Natação Pura Desportiva ou, dos Saltos para a Água, por exemplo.

3.3. Respiração
    Uma das principais limitações impostas pela passagem à posição horizontal, relaciona-se com a necessidade de imersão da face, a qual se constitui como uma limitação da função ventilatória (Holmér, 1974). Ou seja, o mecanismo respiratório sofre algumas alterações quando o sujeito se encontra no meio aquático, devido à face se encontrar temporariamente imersa e das características físicas desse mesmo meio, nomeadamente o facto deste ser mais denso que o ar. Logo, o trabalho de aperfeiçoamento da respiração pressupõe a criação de um automatismo respiratório necessariamente diferente do automatismo inato (Mota, 1990).
    No Quadro 3 comparam-se as principais características do mecanismo respiratório no meio terrestre e no meio aquático, de acordo com Mota (1990).
Quadro 3. Comparação das principais características do
mecanismo respiratório no meio terrestre e no meio aquático (adaptado de Mota, 1990). 

3.4. Manipulações
    As manipulações consistem em manter uma relação de interacção entre o indivíduo e um ou vários objectos, permitindo explorá-lo(s) e, simultaneamente, explorar todas as suas possibilidades (Moreno e Sanmartín, 1998). No caso concreto das actividades aquáticas, esses objectos são usualmente materiais auxiliares como por exemplo, as placas, as barras para efectuar imersões ou, os flutuadores.
    São considerados casos particulares de manipulações aquelas que são realizadas com as bolas, como sejam os lançamentos, os passes e as recepções. Os lançamentos podem ser realizados a um determinado alvo - ou não - com o próprio corpo ou com outro(s) objecto(s). No caso do objecto ser lançado a um outro indivíduo que por sua vez o recebe, denomina-se de passe. Já as recepções poderão ser efectuadas com determinada parte do corpo, parado ou em movimento.
    A apresentação destas habilidades é especialmente benéfica para a posterior abordagem de habilidades desportivas características de determinados jogos desportivos colectivos realizados no meio aquático, como é o caso do Polo Aquático.

4. Conclusões
    No decurso do processo de adaptação ao meio aquático deverão ser abordadas diversas habilidades motoras aquáticas básicas, as quais permitirão a posterior aquisição e assimilação de habilidades motoras aquáticas específicas de diversas actividades aquáticas. Além do mais, nesta etapa dever-se-á ter em atenção que nenhuma habilidade ou grupo de habilidades deve ser sobre ou subvalorizada em detrimento das restantes.
    Finalmente, dada a inter-relação que se verifica entre diversas habilidades, será possível combiná-las de múltiplas formas. Especialmente no período de consolidação de uma ou de várias habilidades e/ou em momentos mais avançados do processo de adaptação ao meio aquático.

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